segunda-feira, 20 de junho de 2011

Decupagem, Nidação.


Na comunicação escrita. Não é bem visto o escritor que estipula, que dá o tom. Que interfira em qualquer prática ou hábito que é comum. Ao leitor. Mesmo anônimo, não se estipula andamento, não se põe em sua boca nosso ritmo. Não se deve explicar-lhe que em determinada passagem um ou outro afeto deva se destacar, tudo isso a que os músicos se acostumaram não é admitido pelo leitor.  

Nossa recomendação de lentidão certamente se tornará um enfadonho comando, impossível, um impertinente começo e um receito de prematuro fim. Porém, ao mesmo tempo há também uma filosofia, forte, inaudita e antiga, e também uma poeira qualquer. Um único caso. Onde verdade e filosofia podem conjurar.

Isso tudo foi uma frase de Aristóteles. Frase proferida contra a teoria de seu mestre. Sozinha, significou o fim da metafísica, mas porque inaudita, não marcou o fim da filosofia.


METAFISICA, Livro I - IX


"...julgando explicar a substância dos mesmos [sensíveis] admitimos, na realidade, a existência de outras substâncias. Mas como estas [substâncias], sejam as substâncias daquelas, explicamo-lo com palavras vãs, porque 'participar', como mais acima dissemos, nada significa."


Nossa total dedicação. Alguns censuram a voracidade autóptica, tão estranha aos gregos. Mas foi este o tom, o mesmo com que ainda hoje a modernidade desencanta, a procura por substâncias não duplicadas. Difícil e complicado de as encontrar.

A filosofia viu a morte do estagirita, e mostrou-se pouco interessada na tarefa, pois vende-se mais livros se significamos ainda mais o mito, e o mito da própria filosofia. Afastado disso tudo, a escrita Aristotélica inscrevia inaudita uma linguagem. Aristóteles estava, ao abandonar Platão, abandonado o pensamento analógico, e introduzindo o digital - a imagem do próprio pensamento não pode se igualar às imagens que o pensamento mesmo cria.

" a imagem do próprio pensamento não pode se igualar às imagens que o pensamento mesmo cria."

Um recado discreto em uma pequena sentença de uma filosofia antiga. Seguir o recado seria como se engajar em algo que viria a se chamar filosofia, mas que não se cumpria. Evitar justamente o que a filosofia que evita a metafísica se torna, uma inquirição metafísica.


                                                                        [- o processo mitose]


A meiose é o processo de divisão celular que consiste em produzir uma duplicação, da célula, carregando metades aleatórias das células que lhe deram origem. O ciclo metafísico em seus altos e baixos pareceu finalmente que teria fim com o empirismo, por mera sorte de um crossover. E novamente com a filosofia transcendental. E novamente com a fenomenologia. Mas o idealismo e a ontologia, por herança de genes ancestrais mantém o ciclo metafísico desperto. O material não se esgota, surge sempre em ciclos distribuídos ao sabor dos tempos.


A meiose não pode evitar o retorno do ancestral. E como podem observar falamos aqui de nascimento.


Dos Pais da Filosofia:

Ambos despatriados. A mãe renegada. O pai, sempre um rei próximo a morte que esforça-se ainda a encontrar "alguma coisa" antes que o filho venha.

O Pai descarta o feminino e a terra para sua descoberta é toda abstrata, e sua inseminação,
seu seminário, inicia por proclamar a filosofia toda sua.
    


METAFISICA, Livro I - II


"O mesmo sucede com o macho em relação à fêmea; esta é fecundada com uma única cópula, mas o macho fecunda várias fêmeas."

[Comentário ao modo como as Idéias de Platão participam das 'coisas']



O que fazia então a filosofia medieval, a filosofia idealista, a ontologia, senão tentar encontrar "alguma coisa" que mostrasse prova deste carimbo papal, do garanhão da forma universal, da própria concepção divina?

A filosofia parece querer encontrar "alguma coisa". Mas quem iria querer encontrar "alguma coisa" em uma teoria?

Duplicar idéias, e não se dedicar à agronomia de ver crescer, das condições do tempo, dos detalhes e distinções. 

Se pessoas sãs acreditassem no "ser das coisas" fumariam ópio a encontrá-las. E o que fazia Heidegger senão querer encontrar uma pedrinha escura e brilhante no interior do pensamento? A filosofia paterna se vê obrigada a postular objetos inalcansáveis os mais absurdos e vistosos que Deus. Ao fim, haviam desistido do mundo, e deram voz às palavras, deram voz a tudo que deveria correr inaudível.



METAFISICA, Livro I - IX



"Em geral, procurar os elementos dos seres sem os distinguir, apesar de serem múltiplas suas acepções, é impossibilitar-se de os encontrar, sobretudo se, desta forma, investigarmos de que [elementos] são constituídos"



Chegou muito tarde aquele filósofo que temia a fala do que não podemos falar, e temos que admitir isto: filósofos, não busquem duplicar o verbo do mundo pela teoria! Eles não sabem o que fazem e duplicam e dobram o mundo e a teoria faz escapar para o fundo, para a dobra, para o reverso, aquela pedrinha brilhante e escura, mas ela está lá, dizem, chacoalham seu papelão e afirmam estar nas desdobras o caminho.

A arte do falsário é prometer, do prestidigitador é camuflar. Tudo não passou de um truque, não chegam a 1001 noites e a água escorre novamente: quem mais vai querer fecundar as palavras?

 Um pouco antes, e com prudência, soemos o alarme...

         - A filosofia não tem objeto. Esta é a última distinção.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

 FRANK ZAPPA  E ensaio        filosófico: 

   O JOGO 
      
     de 
Ricardo            Nachmanowicz      DO 

      DESMEMBRAMENTO 

     [Lumpy Grave] 





A atitude de Duchamp ao colocar um mictório em exposição num museu poderia, não facilmente, inspirar uma estranha tentativa de um simples criador de animais do Zoológico, em sua intenção ainda primeva, expondo alguns macacos mortos. E isto, longe de ser um gosto pelo errado, converter-se-ia em uma grande admiração pelo descabido, por aquilo que não cabe, daquilo que não tem lugar. 

Entender o que cabe neste mundo e o que não cabe é uma simples tarefa, a de educação à mesa, mas quando senta-se à mesa um filho com penteados extravagantes o avô diz calmamente: “calma minha filha, está cabendo no mundo, neste mundo está cabendo”. O avô sabe, por experiência, que as coisas mudam de lugar. 

O banheiro fora uma casinha, só, e após muito tempo entrou para dentro das casas, os concertos eram realizados no jardim, onde se enterravam os mortos, que agora se afastaram a um cemitério particular, longe da cozinha e das salas de concerto, o jardim é apenas um lugar para se admirar.  

Este processo de distinções foi contínuo e podemos remetê-lo quase que universalmente a todo processo civilizatório, não identificado apenas ao processo ocidental, mas à tarefa cultural que o Humano se colocou. A diferenciação e a rejeição das ferramentas naturais, do alimento cru, da morada sob os atributos da geografia, sempre procedeu de um único modo: a separação. 

O divórcio é um imperativo científico, necessário, traz um bem e força uma contranaturalidade, esquecida na próxima geração, nada que o tempo não dê conta. Porém, em seu ato criativo, a separação que exigimos é uma dor, o mundo todo onde originariamente era o lugar da minha morada e alimentação, eu me separo dele, e sinto a perda, mas uma vantagem, minha exclusão do convívio com os outros bichos me fixou num lugar, e meu desejo é ambiguamente o de permanecer em casa. 

Quando tratamos de um “lugar cultural”, de um produto artístico, temos que transpor o campo da necessidade, da comodidade e da fisiologia para o da percepção, do agradável, da identificação, da técnica. A pergunta que quero fazer é: De que forma, dentro da arte, mudamos os móveis de lugar? 

Sim, na música, certo processo social, estético, perceptivo e analítico vem ao longo da história distinguindo suas próprias funções, ou criando mesmo a categoria de função social, ou função espiritual, ou religiosa, ou mesmo, funções estéticas, ou função alguma. Porém, quem é o executante destas distinções, quem decide quem fica e quem vai? Fiquemos por enquanto com a história. 

Uma certa percepção que antes se incubiu de distinguir o comer do dormir, pois que poderia ter sido entendido enquanto processos causais e seqüência necessária, se encarregou de separá-los em ambientes diversos, atestando o seu compromisso com a história. Esta percepção e esta nova distinção é documentada e materializada em forma de cômodos e inserindo na sociedade em forma de casa. As vezes sendo contrariada, pois a distinção entre festas musicais e enterros pode ser abolida propositadamente se os parentes se reunirem para "beber o defunto", estende-se o cadáver sobre a mesa da cozinha, e confraterniza-se até a hora de seu sepultamento. Trata-se de uma festa extravagante, onde uma dor profunda autoriza a dessacralização de toda a vida mesmo. 

A percepção musical, em sua história, fez suas escolhas e nomeou cada uma delas quando se distinguiam: ópera, cantata, sonata, samba, erudita, instrumental, escala maior, etc. Ou classes de diferenças: cânone, contraponto, fuga e serialismo. Distinguimos entre música de elevador, música de ambulância e música de ginástica, música barroca, clássica ou romântica, o interesse de ouvir música se diferenciou e cada interesse pegou para si um nome próprio. 

No entanto, o fato do banheiro ter se distanciado dos museus não configura problema algum, mas pode vir a ser um problema o fato de aquilo que foi matéria dos museus possa estar entulhado e trancafiado em um banheirinho, pois não há muita regra para estas distinções, ou, há regras demais envolvidas. 

Frank Zappa parece ser o rei do entulho, a distinção musical parece ser o seu assunto e a primeira impressão que temos de Lumpy Gravy é a de um completo devaneio desgostoso. Aquele que possui alguma predileção musical se sente traído pois certamente se identificará com um trecho que logo será interrompido bruscamente causando dúvidas sobre a real integridade da obra, ou da moral do compositor.  

Quando os estilos estão todos bem definidos, o ouvinte se põe à tarefa de reconhecê-los e Frank Zappa dispõe todos em sua bandeja, um rock de garagem de péssima qualidade, um complexo jogo timbrístico e rítmico, seguido por sons eletroacústicos pueris e concluindo em um tape de solo de guitarra colocado em velocidade rápida. A quantidade de objetos é tal que aquela tarefa de reconhecer os estilos se torna ineficiente, surge uma ansiedade sobre o destino da obra e a mera identificação do estilo não pode perfazer o conteúdo musical, se o ouvinte desiste destas tarefas se perde em sensações desconexas, que é o gosto de alguns. Não quero aqui me ater em “debates”, estou querendo apontar para uma característica da música de FZ, para um dado sensível, sua inquietação não se trata de mera especulação. 


Neste ponto o conteúdo musical se coloca em questão, pois, uma música que se propriamente estar acabada, como uma grande obra artística é capaz, ela quer expor certas questões acerca do conteúdo, há sim um argumento cético, é discorrido todas as possibilidades do assunto, e no final postula-se a impossibilidade... do conhecimento absoluto, ou, da música pura.  

Bordões sonoros significando não mais que exatamente o seu próprio preconceito, utilização de técnicas “contemporâneas” a extrair um conteúdo “romântico”, ou a supervalorização de um trecho e ao mesmo tempo a introdução de timbres com um tom de deboche, tudo é dissimulado e nisto consiste o contrário do alienado. A demonstração do domínio técnico e conceptual do elemento musical coadunam a força de seu experimento cético e nos conduz a um questionamento sobre a unidade da obra musical, de um fenômeno restrito à partitura ou circunspecto pela sociedade, pelos costumes, pela história.  

A respeito da unidade da obra, por mais inegável obviedade, é este um assunto que os “grandes compositores” tomam para si, fazer o material refrear e multiplicar-se como um ser só, o adjetivo original, remetendo-se à origem. Esta obra original, esquecida e vaporizada no tempo, guardada e esfacelada em guetos de memória, é desta grande obra que FZ retira a matéria, intenção e conteúdo a transformá-los em entulho, tentando deixar a grande obra cair em contradição, duvidando de sua unidade, mesmo que acatando esta tarefa, de uma “obra”, sua aceitação como tal se dá simplesmente por se tratar de mais uma distinção feita pelo ouvido ou por outras relações estabelecidas. Mas duvidar da unidade só foi possível porque Lumpy Grave não se colocou como grande obra, é uma obra que traz questões musicais com polaridade invertida, mas esta é uma distinção específica de sua música. 

Aqui devemos saber o que é Lumpy Grave. Foi o quarto disco lançado por Frank Zappa, em 1968, e o primeiro projeto solo de FZ sem nenhuma banda de apoio. Zappa descreveu este disco como: “a curiously inconsistent piece, which started out to beBALLET, but probably didn't make it." É apesar de tudo uma obra orquestral, porém entrelaçada com antigas gravações e diálogos non-sense, entre outros diversos materiais e técnicas, principalmente ligados à musica concreta. Este álbum é comumente lido pela crítica como uma exêntrica mistura entre elementos eruditos e vulgares, ou seja, não poderia se enquadrar na tendência do final da década de 60 daquele século, de se procurar uma fusão comercial entre os elementos do jazz, rock, e técnicas eruditas de composição. 

 O que resulta desta desconstrução da forma? Desta hábil percepção da música de Stravinsky? 

Resulta a desconstrução da distinção atual da escuta, de um projeto que veio a tona a partir da metade do século XX e que se vê hoje em dia plenamente realizado enquanto Indústria Cultural. Uma projeção não linear, não apenas de um passado da música, mas de um passado da própria escuta, onde ela era capaz de fazer uma sinfonia completa, que, passando pelos urros do animal desafiador, ao som da lâmina, do vento nas folhagens, do som dos comuns, da música festiva, e encerrando-se com o uivo distante e o som calmo do coração na hora do descanso. Uma audição única e constante, um significado que é capaz de transpor materiais, conceitos e situações, porque somente musical. 



A distinção entre tantos estilos, trazidos pela industria fonográfica, categorizou a escuta e uniu um ethos, um pathos e uma cultura em um único e singelo momento, num single, em um LP. E neste contexto, trair a “categoria” perceptiva é abrir o sentido musical, neste ponto também a obra original está categorizada, mesmo a contra-gosto. 

Obviamente com tantas referencias musicais sendo citadas e para possibilitar que as tenhamos como meras citações, Lumpy G. incorre/recorre a superficialidades, a fazer rápidas exposições, não haver desenvolvimento, colagem, e assim, justamente assim FZ consegue seduzir o ouvinte à escuta de uma grande obra. As distinções devem ser contra-feitas. 

Resumindo as questões aqui impostas, Lumpy Grave quer que tanto o ouvinte leigo como o profissional adquira uma postura radical ao se escutar música, pelo simples e improvável caminho de ouvi-la, significá-la, sem se entregar a ansiedade de um single. 
FZ estabelece um tipo de diálogo musical que parece flertar com o conceptual. De toda forma, seu material musical contém os problemas que tentou resolver: a forma “diálogo” poderia perfazer um estilo, concretizar uma distinção?  


Ah, e a respeito do criador do Zoológico do primeiro parágrafo, não sei falar mais sobre ele. 



   
                        “... porque algumas coisas são entediantes.” 
  

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Conquistar para dividir ou dividir para conquistar?

...


É necessário sempre se colocar a pergunta pela localidade das coisas. Sintetizado na forma filosófica, expresso pelo "Seu Nestor" da cidade de São Francisco-MG:

- Tá cabendo no mundo!



Vamos reproduzir, sem autorização, uma conversa (link do texto em questão):


http://comjuntovazio.wordpress.com/2011/04/15/capitalismo-estetico/




[cacoSonicos]



Ainda acha possível uma arte política?
No momento em que a política/economia se apropriou da arte, e não estou me referindo à recente guinada do design, mas à utilização da arte a partir da cristianização do império romano, sua continuidade nas potências modernas como EUA, Alemanha e Russia antes e pós segunda guerra, eclodindo nas técnicas publicitárias e do design, não seria próprio do “sistema” interagir entre estas duas esferas?
O saltos lógicas das estratégias de marketing não consiste justamente em deixar-nos atônitos mediante uma bela imagem? Para daí inserir mensagens que nenhum pensamento poderia conciliar, mas apenas um sentimento rendido às puras formas estéticas, unidas a aquilo que é uma frase, um ditame de uma política já instaurada.
Percebo que a arte que se une a qualquer coisa que não seja a arte, acaba, inevitavelmente, servindo a um mercado, a uma política, a uma ideologia, a um sistema.
Acho que Adorno percebeu muito bem este fenômeno, e, as vanguardas, a linguagem radical, aquela que não cabe em nenhum videoclipe, nenhum comercial, nenhuma evento patrocinado por empresas telefônicas, esta pode conter mesmo sem querer, um potencial verdadeiramente mais político do que aquelas que intentam alguma “inserção”.

[conjunto vazio]

Boa questão Ricardo…
Na verdade cada vez mais pensamos Arte dentro do coletivo como algo totalmente voltado para a manutenção do status quo do atual estado das coisas. Além disso percebemos sua afinidade com a mercadoria, qualquer coisa vira Arte se vinculado ao mundo da Arte, basta aqueles em posições de poder cultural dizerem que é Arte que um objeto qualquer vai ser visto como Arte. (se tiver interesse, há alguns textos nossos que falam sobre isso:

Então as tentativas do coletivo são basicamente desvincular Arte de estética, de forma a retirar da arte procedimentos e vivências que possam ser emancipatórios e que não sejam apreendidas imediatamente como Arte… o fato então não é conjugar politica e arte, é abandonar a arte e abandonar também politica como instâncias separadas. É óbvio que isso tem o cheiro requentado das vanguardas artisticas, mas nos parece ser um pouco mais cínico pois não há uma aposta na Arte, deixe que ela fique com os especialistas, estétas e marchands. A politica deve ser tomada ou como um termo amplo para além da politica como poder, desvinculada da vida cotidiana ou também deve ser abandonada.
Há um problema em Adorno, primeiramente em sua distinção entre alta cultura e baixa cultura, isso não é auto-evidente e ele desconsidera a validade e legitimação que as instituições tem no que é chamado, absorvido e consumido como Arte… depois nos parece problemático encarar a Arte por si só uma instância emancipatória tendo em vista, obviamente, nossas perspectivas em relação ao conceito de Arte.
Mas sinceramente não sabemos se respondemos as suas peguntas (ou se conseguiriamos).

[cacoSonicos]

Entendi o ponto de vista de vocês.
Eu não sou um “adorniano”. Mas a única coisa que me chama atenção nele é como defende a música de Schoenberg. Creio que ele percebeu claramente o que vinha acontecendo em nossa cultura ocidental como um todo, que era a estetização da vida, enquanto recurso político da ideologia dominante.
Eu ainda assim vejo a estratégia de retirar procedimentos estéticos das obras de arte para uma experiência emancipatória como uma atividade politicamente frágil. Porque o conteúdo estético será superficial, e o assunto político será formalmente apresentado no terrtório “inimigo”, se assim podemos dizer. Mas não estou falando apenas como hipótese teórica, creio que é isto o que veio acontecendo, todas as manifestações, desde os anos 50 e 60 vem sendo sistematicamente absorvidas pelo “sistema”.
Concordo que a arte nunca será política. Porém noto que a arte radical, como Adorno coloca, causa grande constrangimento ao “burgues”. Noto isto em todo concerto de música contemporânea que vou, sempre há aqueles que ficam simplesmente ofendidos com o que escutam. Não creio que este seja um efeito ou tenha um potencial político preciso, apenas humano, e, dentro da vivência particular de um sujeito, parece constituir uma revolução interna, a que estes senhores rapidamente empregam uma contra-revolução, se repugnam…
Talvez deixar todo valor artístico e estético de lado seja a verdadeira virtude a que a política deva alcançar… acho que seria um verdadeiro contraponto às verdadeiras máquinas artístico/políticas montadas a cada eleição.
A arte tem que ser valorizada em seu âmbito, e não apenas servilmente, como uma ferramenta útil, pois, assim já veio sendo utilizada.
De outro lado, a política, assim penso, (estou apenas refletindo e não querendo sobrepor nenhum argumento, mas apenas trocar idéias pois acho que queremos chegar ao mesmo lugar), poderia voltar a um lugar mais original, no debate direto de idéias, com palavras precisas, com debate, com enfrentamento físico e jurídico.
Minha avaliação é que esta mistura de arte e política se chama propaganda. E ela instaura uma convivência cínica entre as pessoas.

Compreendo que, sobretudo nas artes plásticas, há um grande mercado. Porém, isto não pode invalidar obras. Artistas estão ou não dispostos a partilhar com certos meios, a escolha do artístia é política, ética, porém, seu trabalho possui valor que não pode ser conferido por nenhuma instituição.
O poder da instituição é de apadrinhar e de valorizar um determinado objeto, desde que convença seus compradores a gastar recursos, assim é com o comércio de forma geral.
A arte que se afirmou como tal, de modo interessante para mim, é afilhada das vanguardas. Se elas nunca couberam nos museus, hoje, ainda lá não seriam sua melhor estadia.
Estou mais habituado com a música. A dinâmica é outra. A verdade é que a universidade mantém uma verdadeira UTI de compositores, para que estes possam experimentar livremente, para esta arte não se extinguir.
Não é a arte a culpada. Se há “artes”, em diversas camadas sociais, sob diversas prerrogativas, isto não impede que a arte possua um valor autônomo.
Não acho que devemos nos dar por vencidos pelo mercado de arte. Acho mais interessante ressaltar a arte que nem ao menos se relaciona com valor de mercado. Esta é uma disputa geográfica, de ganhar territórios, de avançar com um conceito de arte que não se presta à valorização monetária.
Pois senão, a própria capacidade humana de perceber artisticamente pode se perder nesta briga… e para mim, esta é uma bandeira política também, assegurar processos e experiências tipicamente humanas.


[conjunto vazio]








Acreditamos que Adorno faz críticas extremamente pertinentes a Industria Cultural, a pretensa arte engajada e a própria política. Não há como negar isso, mas é PROVAVEL que estejamos em outra chave de compreensão do que é Arte e como relacionamos com ela. A análise dele de Schoenberg é brilhante mas não nos interessa Arte, definitivamente não somos um grupo de Arte. Muito menos somos um grupo político. Não estamos aqui retirando o potencial emancipatório da Arte, mas preferimos delimitar e combater o campo da legitimação/institucionalização que apresentam a Arte como uma saber-poder. Tanto que nossa parca definição de Arte (um plágio de Danto, Roger L. Taylor e Stewart Home) não pretende encerrar o problema, mas o circunscrever em um campo.
É preciso pensar em Adorno e sua proposta de Teoria Crítica como o diagnóstico de um tempo, não como uma análise que não precise ser revista, principalmente porque mesmo com seu relato é evidente que Schönenberg e música dodecafônica é algo já aceito e apreciado por uma elite cultural. Obviamente que aqui não estamos fazendo a reivindicação de uma universalização da apreciação, como se só fosse emancipador se todos ouvissem e apreciassem, só achamos que fazer Arte por si só já seja revolucionário. Aí se encontra a questão, enquanto Adorno acredita no campo autônomo da arte, que precisa existir, nos sentimos mais ligados às vanguardas históricas que queriam suprimir as atividades especializadas, e essas separações entre Arte e vida, vida e politica… obviamente, que hoje já não acreditamos mais que essa separação possa ser desfeita, já que há essa afinidade entre Arte e mercadoria e que a política é um campo colonizado e burocrático.
Sobre a mistura de arte e política se chamar propaganda, eu sempre me lembro do Agitprop e Maiakovski e Rodchenko… talvez seja ingênuo da nossa parte acreditar no já batido lema de só existir arte revolucionária com forma revolucionária. A grande questão se tornou para nós em de que forma mantemos a feitura de objetos/eventos estéticos, não panfletários mas ainda assim esteticamente desenvolvidos (no limite que um grupo composto por punks juvenis possam produzir) e essa negação ao estado atual de coisas.
Novamente, não sabemos se estamos respondendo as suas perguntas. Parece que não estamos falando sobre as mesmas coisas (ou estamos?), quer dizer, talvez estejamos partindo de pontos opostos… o que não é ruim, só parece que são premissas sobre o que é arte muito diferentes.

[cacoSonicos]

Sim. São diferentes, apenas queria confirmar.
Eu acho mais interessante resguardar os campos tradicionais da arte, e da política. De certo modo quero estabelecer uma diferença que a história fez questão de abolir nos processos civilizatórios. Pois, mesmo primordialmente, política e religião se misturavam, e o campo artístico alí estava. Minha avaliação busca uma reescrita deste caminho.
Creio que vocês estão interessados em se apropriar de uma combinação pontual entre estas esferas, que, não se mantendo sempre no mesmo estado de coisas, mas remodelando suas funções pelo tempo, não permite uma continuidade das categorias humanas, mas apenas ações pontuais sobre panos de fundo estabelecidos topicamente.
Está correto?

Sinto que o diálogo começaria a partir daqui... mas não sei se eles são necessários.