domingo, 24 de julho de 2011

Espaço-Idéia


Não há a coisa da ciência. Há métodos concretos. Objetos são produtos de métodos. Métodos são concretos, e a filosofia não possui objeto, não é um método. Busco com isso anular o que seja filosofia em sua auto-imputação metódica e consciente. 

A pergunta que precisamos manejar é: "a filosofia faria algum sentido, teria algum papel a desenvolver em uma ciência não ficcional?"

O professor Ricardo Fenati certa vez disse: “a filosofia é um conhecimento não-disciplinar.” Acrescentamos, parece tender à indisciplina.

É certo que a filosofia se depara com métodos, mas para isso, os métodos devem existir por si só. O exame do método, o método de se deparar com métodos, legar a explicação a um jogo de palavras seria dar voz ao ficcional. A filosofia se depara com métodos ao modo de um encontro, como em um espaço percorrível no pensamento, e por ele parece que a filosofia caminha, mas apenas isso, caminha e encontra.

A primeira lição de uma ciência não ficcional é entender como os métodos e a possibilidade de métodos podem ser encontrados neste percurso espacial que a filosofia percorre. E nisto Alan Moore pode nos ajudar.

Não imaginava que o roteirista dos meus quadrinhos preferidos algum dia cunharia um conceito tão importante. De repente Alan Moore tem uma ferramenta preciosa para compreender a tarefa da filosofia.

Pegamos emprestado aqui seu conceito de espaço-ideia. Espaço-ideias são, de um ponto de vista neuro-transcendental, aquilo que Husserl nomeava de eidos, estruturas identitárias que se manifestam como idéias, percepções, esquemas corporais e toda a série de  hablidades que possamos vir a ter. A novidade de A. Moore estaria em descrever essas estruturas como ao mesmo tempo naturalizadas e como que dispostas em um espaço mental. Estes espaços ou localizações mentais formariam núcleos, eidos, formações. Estes lugares específicos nos permitem organizar, pensar e perceber a realidade.

Uma vez que uma região se organizou em uma espaço-idéia, então somos capazes de pensar, perceber, organizar e criar a partir de seu ponto de vista. A estrutura espacial não se encadeia de um modo verticalizado, a espaço-idéia corresponde a apenas uma região específica, onde uma teia de horizontalidades se constitui. A trama real de um funcionamento neuro-transcendental é tal que, diversas espaço-idéias são constituídas ao mesmo tempo. E em um primeiro momento nenhum conflito se faz presente, afinal, podemos observar um módulo lunar com os olhos de um físico, de um engenheiro, de um poeta, de um indiferente, e provavelmente para Neil Armstrong esta observação contava com configurações que provavelmente poucos compartilharam.

Internamente podemos entender o mundo com chaves simultaneamente diversas, divergentes e contraditórias, sem que isto cause alguma censura moral ou lógica no interpretante. Tentar levar exigências lógicas estritas como a não-contradição a todo o campo espaço-ideal significa a influência de espaços-idéias entre si, tema que não adentramos ainda.

A espaço-idéia, no modo como interpretamos aqui é um conceito que nos obriga a deixar de lado certas exigências e missões herdadas como a tarefa do pensamento:

A primeira é que o pensamento não é sinônimo de filosofar, por isso há diversas tarefas para o pensamento. 

O pensamento é um ato, assim mesmo como Kant diz do ato de julgar, inclui-se, que opera uma espaço-idéia, seja num juízo seja em um gesto. Operam-se módulos (relações e configurações de lugares precisos de espaço-ideias). 

A segunda, que filosofia é um caminhar entre e-ideias e módulos. Ela não é capaz de forjar ou fazer interagir. A filosofia apenas anda, e possui técnicas de caminhar, esta seria sua verdadeira tarefa. 

Em um outro sentido, a filosofia pode apresentar os módulos que encontrou em sua caminhada, e em último lugar, somos obrigados a reconhecer que não existe ciência, método ou técnica para a criação de módulos. Apenas sabemos que eles são formados, e que, ao que tudo indica, podem sofrer transformação, se multiplicar e surgir novos, mas, criar, moldar e fazer surgir, estas tarefas estão dispensadas de nossa ação consciente e seria um ato de hipocrisia a filosofia arrogar-se desta tarefa. 

Mais determinante de tudo é a tarefa da audição, mais do que a filosofia, mais do que a técnica, maior do que todo o método concreto.

Uma ciência não ficcional é o trabalho árduo a partir de um módulo. E tudo indica que trabalhos árduos fazem andar esta coisa dos módulos, e por eles a filosofia. Porém, longe de criar clareiras, nossas teias se adensam e adentramos mais, e enfim descobrimos novos módulos. E o mais importante, novos módulos nos mostram novos objetos, sim, os módulos são um método para novos objetos.

É muito estranho que haja uma disciplina isolada como a filosofia. E muito estranho que as demais disciplinas não tomem o material filosófico como próprio. Qualquer conteúdo produzido só pode ser produzido a partir de um módulo, portanto, quando um filósofo não nos diz de uma técnica de percorrer espaço-idéias, ou não nos conta de um novo módulo, está em realidade a fazer ciência ficcional.  

Mas se faz seu trabalho, o produto final se dirige a uma disciplina específica e não a algo isolado como a filosofia. Digo isolado porque ela não deve possuir uma biblioteca de conteúdos, mas sim de técnicas e descobertas.

Parece que fazer andar a filosofia tem a ver com a recusa de um motor gerado pela ciência não-ficcional, passando a um trabalho árduo de um módulo.

Não há dúvida que trabalhamos com um paradigma de novidade, ao contrário da teoria científica ficcional que pensa e toma como tarefa compreender o mundo e esgotá-lo. A ciência não ficcional quando apresenta um movimento é um movimento voltado ao novo, nunca direcionado para a justificativa, o sistema, ou o acabamento, são Entradas e Bandeiras, violentas e aventureiras.

Não podemos mais imaginar uma ciência diferente dessa seria não levar a vida e a realidade a sério, mas tão somente a desperdiçar.

domingo, 10 de julho de 2011

O Ficcional


Ad terrorem, por uma deriva, a ciência, a filosofia e mesmo a vontade ou os povos, avançam 


Caminhamos ciclicamente até um estágio; cria-se um 'ficcional'.





No minuto 1:10 podemos observar o Physarum, análogo cultural, a exercer sua tese. Quiséramos nós poder entender o que se passa em seu interior, e que tipos de ficcionais estariam a se produzir.

Observar o Physarum e o fascíneo dessa observação, diferente da imaginação, é ter identificado em nós mesmos um núcleo em comum, com um ser elementar. Tudo leva a crer que nosso interior, e o do Physarum quando assim observado, carrega algo como o cerne do conceito de nossa vontade e de toda essa dinâmica vital, uma forma ficcional.


A ciência é um ficcional. Assim como a religião e a ontologia. Não precisamos agora aludir aos motivos pelos quais ficcionais são criados e mantidos, mas ouvir atento em que consiste o ponto nodal de passagem para o ficcional. Tal passagem se verifica no momento mesmo em que a ciência adquiriu seus vultos recentes.

A física traçou um método, e sua felicidade foi imediatamente compreendida. A química, a biologia, a psicologia, a sociologia, cada qual cunhou um método e felicidades.


Esses são conjuntos que dificilmente se intercedem. Não há conhecimento algum sobre como comportamentos de certos objetos da física se manifestariam em conjunto, de modo biológico ou mesmo psicológico. Não há nenhuma regra física dedutível a esse ponto. E em nenhum nível é possível pensar uma teoria unificada como sonhava Einstein, ficcionalmente.


No momento em que a prática de um conhecimento está em andamento profícuo, no momento em que vemos uma felicidade, imitamos. Em sentido mais pueril possível - no sentido em que as crianças praticam, em borrões.

No momento em que se diz ‘ciência’, estamos aludindo (e não significando) nada mais do que isto: ‘movimento imitativo de algo profícuo’.

O seu significado, o simbólico da ciência é nada mais que: ‘a imagem de um fazer profícuo’.

Assim como a criança, a ciência, no momento em que se vê interrogada não pode esboçar qualquer reação que não seja imitar novamente ‘aqueles’ gestos, sem saber compreender ‘aqueles’ e ‘estes’.

A física é um método e só isto. ‘A ciência’ não é apenas um método, é a calda de um ficcional que impulsiona a constituições de métodos irreais: a identidade, semelhança e parentesco de coisas que inicialmente não se correspondem. 

Métodos quando profícuos são substantivados, ‘a física’, ‘a escultura’, ‘a educação’.

'A ciência' (a idéia de ciência) é a posteriori. É a isto que devemos atentar, a fixação de uma idéia é sempre dependente de algum sucesso, e este sucesso se liga à idéia de alguma coisa, e esta ao nosso Physarum interno, nosso ficcional. Temos uma felicidade. 

O que é profícuo encerra-se em si mesmo, e seu método segue uma história própria que não pode ser estendida. A idéia de ciência, quando quer englobar tudo - a ciência quer ser a totalidade das explicações - escamoteia a realidade dos métodos e o problema de suas relações. 


Todo ficcional se comporta ‘como se’ houvesse comida a encontrar, e o faz sem saber ou sem querer - está a fazer algo sem propósito. Tal beleza heróica de um ato ad terrorem continuará a encher nossos olhos. Mas a ciência ficcional necessita de um anti-ficcionalismo, pois mesmo Einstein deve compreender que uma teoria unificadora é um método, e que portanto, ou se trata de um golpe da física a aglutinar todos os assuntos sob seu método, ou, um novo método que não sendo nenhum dos métodos existentes não será física e tornará todos os restantes visões estanques daquilo que dali em diante encherá novamente nossos olhos.

Contudo, o ficcional cria também ficção. A ciência, a religião e a filosofia são métodos que pretendem produzir objetos que anulam a existência de seu método. Tais objetos, o objeto da natureza, o ideal e a fé são ficções, porque um objeto de um ficcional. Creio que muito já se fez com os ficcionais.


Iniciemos uma ciência não ficcional, por entender que não há ciência. O que existe de concreto são métodos.






sábado, 2 de julho de 2011

Vestigios x Prova

Uma célula neuronal. Localizada na região que, de costume, se liga a nervos musculares com o objetivo de promover movimento corporal, mas que porém, por ocasião de uma interação cérebro-máquina, julgou por si, ser sem propósito enviar dados para um músculo, pois percebia-se que em verdade ele não estava sendo requisitado. A célula optou portanto em processar dados para mover um braço mecânico distanciado e não acoplado ao resto de seu corpo onde o único contato que possuia era de uma imagem visual e não uma estrutura de próprio corpo.


Assim Nicolelis nos diz que o cérebro influencia a si mesmo, e se molda de acordo com suas próprias decisões neuronais. [Ontem em sua palestra].




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Antes, Maturana havia nos dito que "os seres humano se caracterizam por, literalmente, produzirem-se continuamente a si mesmos –  indicamos ao chamarmos a organização que os define de organização autopoiética." Isto está em seu livro, A árvore do conhecimento. A publicação é de 1987.

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Bachelard em 1928 nos diz que em um nível, o dado neuronal adentra mecanicamente, porém, depois, em um nível mental, uma intencionalidade toma conta e apropria para si os dados neurais e cria voluntariamente o conhecimento, interpreta o que é mecânico e se sobressai.


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"Quando as condições mudam a célula reage a novas excitações de maneira nova. Ela assimila; mas sua substância, em vez de permanecer idêntica a si, modifica-se." (Delbet, 1920)




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O que a ciência está a ficcionar é a objetividade. A objetividade é uma invenção da ciência que trouxe algum constrangimento para as ciências humanas, por um bom tempo, até que, invertendo a mesa, vimos que foi a ciência quem se esquivou da natureza da própria objetividade; era um produto da subjetividade.


A física mais sóbria de nosso tempo é obrigada a aceitar que o próprio instrumento modifica o objeto de estudo. Ora, não é exatemente isto que Nicolelis e Delbet viram no cérebro, e que Bachelard viu na consciência, e Maturana e Varela nos seres vivos?


 Vamos perceber o vulto da filosofia passando por aqui, vulto e não objeto, pois o objeto aqui é das ciências. A filosofia pôde mostrar que o instrumento primordial era a consciência e não o neurônio e não o sistema nervoso, e não a composição físico-química. Mas então, a determinação da consciência é modável na célula, ela mesma é parte da decisão, a mente decide porque a célula decide e não é sempre idêntica.


A explicação de Bachelard consegue fazer não apenas entender-se, mas, explicar. É justamente assim que se passa com o vulto filosófico, dispença qualquer prova.


O neurônio parece ser sempre um vestígio de pensamento, os dados digitais, e os sons destes neurônios continuam sendo vestígios, o corpo biológico, apenas vestígio… vestígio de ações humanas que passaram.


Reunimos vestígios em volume que gostaríamos de chamar de provas.


Mas somos essencialmente retóricos do mundo, mostramos um vestígio apenas para dar como prova aquilo que simplesmente decidimos por certo e verdadeiro, uma confabulação.