segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Título



O Zé amontoava títulos, os criava antecipadamente. Quando enfim procurava-os em seu catálogo, dificilmente serviam. 

Sérgio uma vez disse que uma capa de disco, um título, mudavam toda a percepção de uma obra. Eu continuei escutando as músicas, com ou sem o título, com ou sem a capa. Nada mudou.


Títulos não são Nomes, explico:


Missa em B menor não é um título, é um nome. 
Sonata não é um título, é um nome.
Metafísica não é um título, é um nome.

Um nome é um código que indica alguma coisa, sem lhe acrescentar algum sentido. Existem nomes brincalhões, contendo alguns caracteres da coisa. A exceção aqui não passa de via de regra.

O título intenciona. Faz reter sob uma esfera primordial  uma energia de conceito, alastrando-se a todas as esferas da obra que se seguirá.  


Nos livros os títulos informam, porém, sem ser capaz de ilustrar. A imagem aqui é a de um foco de luz que condicioina nossa disposição em uma única direção, como no efeito fotoelétrico, ou bem verificamos sua forma ou o conteúdo do que se titula. 

Mas a união não é de todo impossível. 

Quando lemos em um título: "Ensaio acerca do entendimento humano" sabemos o que esperar, em termos de conteúdo e forma, não em virtude própria das palavras, o sentido geral é dado relacionalmente por outras obras com o mesmo título. 

É assim que uma única partícula tão peculiar detém tão poderoso efeito:

.  'Da' origem dos animais
.  'Do' sono e a vigilia
.  'Da' alma 
.  'De docta ignorantia
.  'De' la causa principio e uno
.  'Das' revoluções das esferas celestes


Os títulos compartilham de uma história e tradição, e depois de copérnico, dificilmente veríamos novamente estes artigos definidos no genitivo.

Autores querem dar títulos, e se comunicar a partir deles. Até que os títulos se comunicam entre si. Antes dos Títulos, na música vieram os apelidos: Júpiter, Pastoral.

Chopin repreendia os editores ao dar 'títulos' a suas peças. Ele sabia exatamente o que fazia diante do romantismo.

Ao passarem a escolher Nomes ao invés de Títulos, compositores adicionavam mais força aos jogos de leitura das peças instrumentais.

. Syrinx
. Ionisation


O título se prolonga e intenta abarcar atmosferas científicas, mitológicas, poéticas. Os títulos começam a se referir metalinguisticamente ao procedimento das obras a que se referem. Uma volta ao paradigma livresco:

. Partiels
. Atmospheres
. Continuum for cembalo


Títulos e analogias autorizaveis, como em Hanslick, a descrever fenômenos sonoros e musicais.

                             
Entender títulos não é tanto entender a relação deles com suas respectivas obras, mas sim compreender o que se quer com títulos. É um jogo tão mais sutil quanto mais se compreende sua serialização, pois para se entender o que se quer com títulos temos que entender também o que seja a obra. 

Tradicionalmente, entender o que seja a obra é a porta de entrada para se entender o jogo implicito ao título. Pelo menos, este é o jogo tradicional com os títulos. Mas estando o jogo em aberto lança-se sempre imprevisivelmente sua função e mostra-se algo como uma arte de titulações, titubeios e enfim títulos.




sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A melhor obra de Andy Wahrol

Me perguntei qual seria a melhor obra de Andy Wahrol.


Os vídeos decididamente não são interessantes, os objetos cotidianos que ele dipõe tão menos, as reproduções de fotos repetidas sob cores variadas, de personalidades, não interessam igualmente. Há alguns objetos e temas de design, uma pequena escultura de uma mulher fazendo compras... coisas de estudante e não obras com o maiúsculo.

Poderia ser dito que o interessante de suas obras estavam em sua exibição nas galerias. Não creio nesta hipótese, desde o início do século XX nos habituamos a não nos chocarmos com este tipo de coisa. Não haveria tanto mais o que dessacralizar.

Definitivamente as melhores obras seriam então aquelas em conjunto com Basquiat, justamente estas que por ação de um artista faz ser impossível localizar o que há de Wahrol nelas...

…nossa busca continua.


Depois de muito procurar concluí que o melhor é admitir que suas obras são muito ruins mesmo, e não há o que se fazer sobre isto. E como todas são igualmente ruins, se torna uma tarefa vã procurar sua melhor obra, quanto menos uma melhor obra de arte.

Mas, se admitirmos que não são objetos artísticos o que Andy Wahrol produziu de interessante, ganhamos uma porta de acesso, e no mesmo lugar, uma interrogação: o que afinal faz o nome de Wahrol em meio ao senso-comum estético?

Talvez a formação e profissão de Andy possam explicar isto. Ele era um designer.

Sua produção neste ramo é abundante, e atravessa o vídeo, a pintura e a gravura, dentre outras técnicas. E como todo objeto de design, seus objetos não são interessantes, são no mais harmônicos. Tendo em vista uma gradação do design que se move entre a indiferença até o curioso, mas nunca interessante.

De novo este problema, os objetos são desinteressantes e não-prenhe. Mas no começo dos anos 50 lhe renderam uma exposição. E por toda sua carreira (observem suas capas de revista, sobretudo da Vogue) não fez mais do que produzir capas, publicidade e coisas que já fazia habitualmente, independente do meio ao qual se vinculava.

Em que consiste sua melhor obra?

Consiste em não ter nenhuma obra. Tratar-se-ia então de uma façanha.

A façanha consiste em ser o primeiro designer a desvincular seu trabalho de um produto. Ora, designers vendem seu trabalho para que empresas possam vender melhor seu produto. Quando o designer vende seu trabalho está vendendo um meio que será utilizado.

Wahrol conseguiu o inimaginável, transformou a publicidade, a etiqueta e o logotipo em produto, ele foi capaz de vendê-lo sem que precisasse se atrelar a um produto, e se tornou o primeiro designer autônomo, ou o primeiro designer a se despregar do sentido do trabalho, ou apenas um dos maiores vendedores do mundo.

A desvinculação de seu trabalho, tradicionalmente tido como um meio, passando a obter um fim em si mesmo, acaba naturalmente se esbarrando com outro mundo de criação, e como não poderia deixar de ser, com o que existia de mais próximo de um produto sem ‘função’, um produto sem um 'porque'; este era tradicionalmente reconhecido como arte. Mas nos anos 50 e 60 tal definição de arte já pareceria decadente e 'démodé' o suficiente para que pudéssemos identificá-los assim de imediato.

Mas vejam, diante de um trabalho de design, sem grandes qualidades esteticas, e sem nenhum produto a suportá-lo, o que faria vendável tal produto? A arte. Como suporte de publicidade para este 'anúncio em abstrato'. Se a arte alçou a abstração como uma demanda de liberdade, o design se viu surpreendentemente diante de uma mesma conquista.

Nesta medida o termo 'Pop-arte' parece muito justo. Não se trata de qualquer relação a um passado da arte, antes, trata de um passado da própria producão visual de uma economia, e de uma relação presente no mundo Pop, o fato dele se reproduzir. Seja em rótulos, em produtos que se vendem por qualquer motivo, qualquer figura que cole, que decole.

É sem dúvida mérito de Wahrol encontrar a substância da reprodução, a substância Pop. Seu espelho, na medida em que reflete as figuras famosas, os meios badalados, espelha não mais os personagens, mas esta substância, justamente porque subrepticiamente não encontramos nestes objetos absolutamente nada, nenhum interesse, apenas uma abstração no real sentido da palavra, retirada do sentido que um objeto é capaz de emanar.

Tal recurso visa entrar em um outro maior, a da abstenção, em prol de uma contemplação cíclica que parte do que parece importante (personalidades, marcas, eventos) na medida em que se encontram na televisão ou no 'mundo da arte', e chega ao culto desta imagem, justificando sua aparição na televisão e no mundo da arte. Tal capacidade de retirar o objeto do campo da experiência e sobre ele ativar uma série de comportamentos e sentimentos sociais é algum mérito, porém a técnica é da publicidade. A abstenção é sem dúvida a abstenção de diversas relações do mundo.

Então, qual a melhor obra de Andy Wharol?


A melhor obra de Andy Wahrol é sem dúvida seus fãs, que mantém o ciclo fechado. Andy Wahrol é um ídolo porque tem fãs, e tem fãs porque é um ídolo, e isto nada tem a ver com suas obras, mas com sua façanha empreendedora, de conhecer um mercado e não criar tensão entre uma rede de mercados.

Porém, ninguém neste mundo é tão ruim a ponto de seu trabalho não poder ser elogiado. Seria possível, humanamente possível, que algum profissional, ao menos por um dia, ou por quinze minutos, não produzisse algo de minimamente interessante?

Somos muito otimistas a este respeito. Aqui vai uma obra interessante de Wahrol, mas que porém, nunca ví nada parecido em qualquer outro trabalho seu. Aqui (sic) o fato de ser coca-cola não soma nem subtrai, fazemos outro tipo de abstração e abstenção:


http://gabbiadorata.files.wordpress.com/2011/03/andy-warhol-bottles-of-coke.jpg

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A palavra 'arte'




A palavra arte descende imediatamente do latim, ‘ars’.

A palavra ars descende, através de tradução do grego: téchne

A palavra téchne significa: habilidade, astúcia no fazer, técnica.


A palavra ars não pode significar "arte" como a entendemos hoje, coisa que a expressão ars mechanica já fazia sublinhar. Ars significa técnica, assim como a entendemos hoje.


[Medicina, engenharia, arquitetura]

(arte = téchne) Saber como fazer.



A não coincidência, para nós, dos termos técnica e arte, se deve em grande parte ao exame da obra Aristotélica, e a uma pequena confusão com o latim.


Aristóteles empreende uma obra a respeito da arte poética, ou em seu origina: poiêtikê technê. Esta se constitui como uma exposição da téchne (saber fazer) da poiesis, sendo o sujeito a poética e não a técnica. Esta ordem é decisiva. Se Aristóteles tivesse tratado os gêneros ‘imitativos’ enquanto episódios de uma téchne, e não de uma poiesis, arte, ars e techné, a poiesis seria mais facilmente considerada um derivado desses.


O termo latino ars tem hoje o seu representante na técnica e na tecno-ciência. O termo ao qual nosso uso da palavra "arte" parece corresponder aos dias atuais, portanto, só pode ser poiesis. Nisso o romantismo parecia insistentemente correto, artistas fazem poesia.


A palavra poesia descende imediatamente do grego, poien/poiesis.

A palavra poiesis significa: realização, criação, poesia (poética).

A palavra poiesis englobava uma série de atividades, em geral voltadas ao manuseio.


[Artesão, escultor, pintor, ceramista]

(arte = poiesis)  Fazer surgir.



A palavra grega mousa significa: música, poema.

Mousa significa hoje uma conjunção de atividades a que atualmente só possuímos o correspondente da ‘canção.’

As musas se confundem em suas habilidades, são todas musicistas e poetisas, ou dançarinas. Temos um panteão com três atividades, que são hoje três atividades "musicais" que reconhecemos hoje como artísticas apenas em sentido geral. Faz parte da arte as belas artes da pintura e escultura, também o teatro. Aqueles que um dia glorificaram a vitória de Zeus foram excluídos e de músicos se transformaram também em poetas e dançarinos.


[Rapsodos, bardos, seresteiros, ditirambo, atores, dançarinos, instrumentistas]

(arte = musa) O surgido, inspirado e de tudo refletido.




O que podemos concluir é que não será a partir da grécia, da pré-história, ou de qualquer outro lugar que iremos conseguir significar o que hoje fazemos e nomeamos enquanto arte. 

As artes, individualmente, possuem origens diversas, raízes que muitas vezes não se comunicam. A comunicação entre elas pode ser estimulada ou evitada, como no conceito de 'belas artes'.

As letras também deixam de ser arte

O romantismo encarnou em si a crise da definição. Sua reação foi retomar a poesia/poética como impulso metafísico primordial e unificador absoluto. Impulso unificador típico do ocidente cristão por um lado, tentativa de valorização filosófica e racional da criação e da liberdade individual por outro. Mas a cristandade romântica com o ideal de valorização da moral a partir do espiritual fez da hierarquia o lugar comum da poesia. Porém, no auge do momento de unificação um momento de atomização imprevisto rouba a cena: a autonomia. Retornamos ao começo, e a origem das artes, como nosso exame grego demonstrou, pouco tem em comum umas com as outras.


Assim se daria também com o andróide, idêntico ao humano em vários sentidos, mas em um sentido muito diverso.

Temos que encarar o fato de que Leonardo da Vinci não fazia arte, mas outra coisa que não era para nossos olhos. A história da arte cuida desses assuntos, de o que chamamos de arte ter no máximo 250 anos.

Mas nos interessamos em cuidar ainda de outro problema. Do fato de nenhuma arte ter qualquer relação com outra arte, em sentido atômico agora, de um grego chamado Demócrito desta vez.

Certa indefinição grega das atividades artísticas era bem vinda porque interessava certo mistério ali no tecido social.

A autonomia vem em sentido contrário. Ela busca distinções com um espírito muito próximo da acuidade científica, conscientes e claras a ponto de extrairmos dela seu máximo sentido, alopaticamente. 

Monta-se assim uma taxionomia própria de cada arte, uma história particular, ramificada, que se encontra no presente com outra diversidade de espécies.  

Enquanto houver um fio condutor que trace a envergadura de uma arte específica desde uma antiguidade qualquer até o presente, haverá ainda uma e mesma palavra a lhe identificar. Mas não deixemos que a mesma palavra iluda.

Tal rito de linguagem, de fixação de termos, sempre pede um sacrifício. Sacrifiquemos então. Diremos agora da música, escultura, teatro, etc., em troca sacrificamos o termo ‘arte’.

Falemos de música, poesia, cinema. E não tratei de nada a não ser de um elogio a Eduard Hanslick ou talves Diderot.