I.
- Ah
se eu fosse um filósofo! E então sonha o boi (sonha com imagens
sem qualquer linguagem). Mas almeja a sapiência dos filósofos, porém, embotado, e calçado apenas nas patas
de trás, não traz ele o primado, os conceitos, que todo
conhecimento satisfaz. Óh Boi, como prover para si – um ser da
antiguidade – conceitos e linguagem para alguém de sua linhagem?
O
boi se instrui. Cria-se assim o boi contemporâneo, não sonha mais
com os fatos e abandonou o campo.
Mas
um boi não muda assim sua personalidade, não tolera o chilique ou a
vaidade, não tolera também quem lhe tire a paz, não preza os
aparvonados e os bons-vivás. O boi, √3, não tem medo do
irracional é preciso como uma diagonal.
O
boi contemporâneo põe-se a ler Adorno, e do conceito, enfim
descobre, haver grande engano. Entre este e o objeto reside ainda
assim uma grande contradição (mas isto é o de menos para um tão
grande coração).
Uma
contradição tão pouco letal faz o boi se perguntar, e súbito
torna-se sábio, se sábia é sua ação de regurgitar. Sai desta
papa pantanosa o antigo Husserl, que então passa a mastigar, com
tenra voz, ensaia inclusive a linguagem utilizar. Mas este Husserl não
é o mesmo não – foi reduzido a sem redução e perdeu seu ideal
de ideação. O boi, este velho boi criado sem falar, lembra-se das
imagens e tão somente das imagens que faz da intuição a fala: -
conceito meu amigo, a se contradizer, isto, é fácil de ver, pois a
contradição não é mais que a síntese de uma decepção, e esta
constelação não é mais que uma variação. Difícil mesmo é
viver só com intuições a pensar, pois o não-conceitual (fonte da
contradição) se não é o objeto é só uma pretensão. Pretensão
que faz adornar, ou heidggienizar, um fetiche, de ter sempre à boca
algo a que falar.
O
mau estar do objeto não é o mesmo da civilização, óh papinha de
Husserl, nos dê a orientação. A ferida da linguagem é positiva
quando não é curada, faz o menino, da cicatriz, reconhecer na
linguagem não a sua amada, mas a espada.
O
resíduo, o boi bem sabe fazer, pois, se não é do objeto captável
no conceito, isto logo se dá a ver, que os nomes, seu objetivo não
alcançam, pois os nomes são nomes, eles ascendem a luz, mas é à
intuição quem compete a dança.
Palavras
e palavras dadas e dados, jogadas aleatórias pouco nos falam, o boi
em boa metalinguagem diz a você, se não se fala da fala acredita-se
menos no que se dá a ver, pois o mundo é morfolo-modi-variado na
história de uma consciência que nunca, mas nunca, é a mesma que
ser.
Se
o boi virou sábio, então termina a questão, a canção a que canta
desencanta a alusão, de que o indizível é algo que nem o objeto
consegue ser, e se nem as palavras nem as coisas conseguem, volto a
fazer, aquele boi-bumbá que dá a temer, sonhando com imagens e com
imagens que se vê, o que é o mundo e o que é contradição, tudo
isto simples sem causar e imolar qualquer situação, nem de arrogar
a filosofia só ali onde ela não tem solução.
II.
III.
A
ordem do texto possui alusões bastante específicas à filosofia de
Adorno e Husserl, e indiretamente a Platão, Nietzsche, Wittgenstein
e Heidegger. O boi autoriza aqui a vinculação dos termos na ordem
em que eles aparecem:
Conceito
diz respeito sempre à concepção adorniana, concepção esta que o
filósofo diz não pertencer a si próprio, mas, duplamente, a uma
condição da linguagem dada historicamente, legada pela cultura, e,
à definição lógica dada nas filosofias de Russell, Witgenstein e
Frege, enquanto sentenciamento último de uma concepção limitante
porém inevitável do conceito enquanto instancia os fenômenos da
realidade.
Contradição
se refere a uma avaliação adorniana a respeito da relação entre o
conceito e o múltiplo (nas palavras de Husserl) de significação.
Para Adorno o fato do conceito só conseguir exprimir o seu idêntico
implica que aspectos do objeto sejam perdidos nesta relação, assim,
aquilo que seria o objetivo do conceito, captar a totalidade de um
objeto, é perdido justamente pelo ato que traz o objeto, que reduz o
objeto a uma visada lingüística idêntica a si. A contradição é
pois que o conceito sempre prejudica o que o conceito intenta captar.
Redução
e ideação se referem à filosofia de Husserl, em sua operação de
reduzir o mundo de modo transcendental e assentar toda a experiência
enquanto conteúdo de uma consciência experienciadora. A ideação
se refere à busca filosófica por essências destas experiências
reduzidas, entendidas como modos a
priori e universais de toda
consciência. A redução é tema de menor
importância na filosofia de Husserl, e a
ideação surge com maior força em um
segundo momento do trabalho de Husserl, e
dá mostra de ter sido superada em sua fase final.
Intuição
é referida à filosofia de Husserl e não diz de faculdades da
sensibilidade, de ideações ou de níveis místicos, mas tão
somente a consciência do que aparece e que comumente vinculamos aos
nossos sentidos e pensamentos, como uma imagem da lembrança ou o
tato do macio.
Síntese
da decepção é uma configuração signitiva possível, de acordo
com as investigações lógicas de Husserl. O fato de uma intenção
signitiva, dada em uma oração lingüística, não ser correspondida
pela intuição que a preencheria perfazeria um fenômeno em si
mesmo, "a decepção", o que é bem diferente de um contra-senso [widersinn] - aquilo que no sentido da quarta investigação lógica geraria um ambiente gramatical de contradição em sentido lógico.
Variação
evoca o sentido das variações fenomenológicas. É sabido que a
percepção não nos dá objetos completos, eles aparecem sempre em
escopo, e necessitam de visadas a contemplar seu conceito. É pois
natural que o uso da língua recubra apenas parcialmente um objeto,
pois que a linguagem titula as intenções mentais, e estas intenções
não conseguem superar o fato de os fenômenos serem dados sempre
parcialmente, necessitando sempre de variações para determos seu
núcleo essencial.
Constelação
é um conceito que Adorno herda de Benjamin e segundo o próprio
Adorno, seria uma solução ao problema da contradição entre objeto
e conceito que tradicionalmente escamoteiam o não-idêntico, ao
fazer o objeto se mostrar de vários pontos de vista e impedir um uso
direto do conceito, ensaisticamente, em forma de descrições, onde a
conceituação resultaria de um campo de forças que tenderia mais ao
objeto e assim, mais ao que escapa do próprio conceito.
Metalinguagem
faz alusão à posição de Adorno acerca do discurso filosófico que
empreende, e que julga válido para qualquer discurso filosófico
sério, a evitar uma dobra acerca do que se diz. O boi certamente
avalia que este empreendimento é impossível já no momento em que o
filósofo se pergunta sobre o valor do conceito em uma relação com
o objeto. Distanciando-se de instâncias de um fluxo habitual do
sujeito, onde metalinguisticamente nos tematizamos em vários
sentidos, o Boi, por bem, pensa que depois de criada a linguagem, a
metalinguagem se tornou umbilicalmente necessária a todo discurso
lingüístico. Não fazer metalinguagem seria fazer má metalinguagem
ou simplesmente pleitear um estado de pureza e verdade absoluta, o
que seria bastante excêntrico à filosofias que se dizem guardiãs
da não-idêntidade.
A
ferida da linguagem é propriamente o problema da contradição sob o
ponto de vista do próprio Adorno, Trosas
iásetai. Uma expressão grega que diz
que somente aquilo que feriu pode curar. A linguagem conceitual, e
Adorno compreende toda linguagem assim, traria necessariamente uma
ferida à significação. A constelação seria uma espécie de cura
praticada com a linguagem, que em forma de ensaio despistaria a
própria identificação positiva e positivista da natureza da
linguagem conceitual, fazendo mostrar aquilo que é não-idêntico à
própria
intenção da palavra.
Resíduo
é um termo usado tanto pela fenomenologia quanto por Adorno. Resíduo
fenomenológico diz respeito a irredutibilidade da consciência, de
todos os fenômenos, que podem se reduzir a quaisquer métodos e
visadas, porém, mesmo diante de uma dúvida metódica, a consciência
é o próprio resíduo que resta de uma redução radical, ela é
portanto irredutível. Para Adorno o resíduo é aquilo do objeto que
sobra a qualquer ato conceitual, o não-idêntico ao que a linguagem
aborta ao visar corresponder um idêntico.
Boi
é uma instância metalingüística. A metalinguagem é um catalisador
do discurso filosófico, uma instancia
temporária de problematização, circunscrita e não ostensiva, no
sentido de não ser um estado permanente, mas uma zona temporária
voltada intencionalmente a um objeto ou grupo de objetos de
interesse. O animal vinculado adquire instancia existencial em
sentido formal, inclui-se já metalinguisticamente, e exclui
a interpretação ou visualização do Boi enquanto uma fantasia de
um ‘eu lírico’ ou mesmo uma vestimenta publicitária de um autor
travestido. A imagem do Boi é pois a real imagem de um Boi no pasto
que almeja um verdadeiro conhecimento filosófico, sincero, um ponto
de vista de difícil visualização humana e que por isto
metalinguisticamente instancia um animal para fazer perceber o real
enlace entre o discurso filosófico e sua inclusa metalinguagem. O
autor contudo ao tentar se inserir no texto acaba por complicar as camadas e autorias não idênticas ao objeto existencial instanciado, "o boi", "o autor de fato". Uma vez na linguagem é impossível regressar.
(11/04/2012)