domingo, 21 de julho de 2013

I. O Boi Sábio II. Um outro Boi III. O Boi de regresso à caverna



                            
 I.


- Ah se eu fosse um filósofo! E então sonha o boi (sonha com imagens sem qualquer linguagem). Mas almeja a sapiência dos filósofos, porém, embotado, e calçado apenas nas patas de trás, não traz ele o primado, os conceitos, que todo conhecimento satisfaz. Óh Boi, como prover para si – um ser da antiguidade – conceitos e linguagem para alguém de sua linhagem?

O boi se instrui. Cria-se assim o boi contemporâneo, não sonha mais com os fatos e abandonou o campo.

Mas um boi não muda assim sua personalidade, não tolera o chilique ou a vaidade, não tolera também quem lhe tire a paz, não preza os aparvonados e os bons-vivás. O boi, √3, não tem medo do irracional é preciso como uma diagonal.

O boi contemporâneo põe-se a ler Adorno, e do conceito, enfim descobre, haver grande engano. Entre este e o objeto reside ainda assim uma grande contradição (mas isto é o de menos para um tão grande coração).

Uma contradição tão pouco letal faz o boi se perguntar, e súbito torna-se sábio, se sábia é sua ação de regurgitar. Sai desta papa pantanosa o antigo Husserl, que então passa a mastigar, com tenra voz, ensaia inclusive a linguagem utilizar. Mas este Husserl não é o mesmo não – foi reduzido a sem redução e perdeu seu ideal de ideação. O boi, este velho boi criado sem falar, lembra-se das imagens e tão somente das imagens que faz da intuição a fala: - conceito meu amigo, a se contradizer, isto, é fácil de ver, pois a contradição não é mais que a síntese de uma decepção, e esta constelação não é mais que uma variação. Difícil mesmo é viver só com intuições a pensar, pois o não-conceitual (fonte da contradição) se não é o objeto é só uma pretensão. Pretensão que faz adornar, ou heidggienizar, um fetiche, de ter sempre à boca algo a que falar.

O mau estar do objeto não é o mesmo da civilização, óh papinha de Husserl, nos dê a orientação. A ferida da linguagem é positiva quando não é curada, faz o menino, da cicatriz, reconhecer na linguagem não a sua amada, mas a espada.

O resíduo, o boi bem sabe fazer, pois, se não é do objeto captável no conceito, isto logo se dá a ver, que os nomes, seu objetivo não alcançam, pois os nomes são nomes, eles ascendem a luz, mas é à intuição quem compete a dança.

Palavras e palavras dadas e dados, jogadas aleatórias pouco nos falam, o boi em boa metalinguagem diz a você, se não se fala da fala acredita-se menos no que se dá a ver, pois o mundo é morfolo-modi-variado na história de uma consciência que nunca, mas nunca, é a mesma que ser.

Se o boi virou sábio, então termina a questão, a canção a que canta desencanta a alusão, de que o indizível é algo que nem o objeto consegue ser, e se nem as palavras nem as coisas conseguem, volto a fazer, aquele boi-bumbá que dá a temer, sonhando com imagens e com imagens que se vê, o que é o mundo e o que é contradição, tudo isto simples sem causar e imolar qualquer situação, nem de arrogar a filosofia só ali onde ela não tem solução.




II.




III.


A ordem do texto possui alusões bastante específicas à filosofia de Adorno e Husserl, e indiretamente a Platão, Nietzsche, Wittgenstein e Heidegger. O boi autoriza aqui a vinculação dos termos na ordem em que eles aparecem:

Conceito diz respeito sempre à concepção adorniana, concepção esta que o filósofo diz não pertencer a si próprio, mas, duplamente, a uma condição da linguagem dada historicamente, legada pela cultura, e, à definição lógica dada nas filosofias de Russell, Witgenstein e Frege, enquanto sentenciamento último de uma concepção limitante porém inevitável do conceito enquanto instancia os fenômenos da realidade.

Contradição se refere a uma avaliação adorniana a respeito da relação entre o conceito e o múltiplo (nas palavras de Husserl) de significação. Para Adorno o fato do conceito só conseguir exprimir o seu idêntico implica que aspectos do objeto sejam perdidos nesta relação, assim, aquilo que seria o objetivo do conceito, captar a totalidade de um objeto, é perdido justamente pelo ato que traz o objeto, que reduz o objeto a uma visada lingüística idêntica a si. A contradição é pois que o conceito sempre prejudica o que o conceito intenta captar.

Redução e ideação se referem à filosofia de Husserl, em sua operação de reduzir o mundo de modo transcendental e assentar toda a experiência enquanto conteúdo de uma consciência experienciadora. A ideação se refere à busca filosófica por essências destas experiências reduzidas, entendidas como modos a priori e universais de toda consciência. A redução é tema de menor importância na filosofia de Husserl, e a ideação surge com maior força em um segundo momento do trabalho de Husserl, e dá mostra de ter sido superada em sua fase final.

Intuição é referida à filosofia de Husserl e não diz de faculdades da sensibilidade, de ideações ou de níveis místicos, mas tão somente a consciência do que aparece e que comumente vinculamos aos nossos sentidos e pensamentos, como uma imagem da lembrança ou o tato do macio.

Síntese da decepção é uma configuração signitiva possível, de acordo com as investigações lógicas de Husserl. O fato de uma intenção signitiva, dada em uma oração lingüística, não ser correspondida pela intuição que a preencheria perfazeria um fenômeno em si mesmo, "a decepção", o que é bem diferente de um contra-senso [widersinn] - aquilo que no sentido da quarta investigação lógica geraria um ambiente gramatical de contradição em sentido lógico.

Variação evoca o sentido das variações fenomenológicas. É sabido que a percepção não nos dá objetos completos, eles aparecem sempre em escopo, e necessitam de visadas a contemplar seu conceito. É pois natural que o uso da língua recubra apenas parcialmente um objeto, pois que a linguagem titula as intenções mentais, e estas intenções não conseguem superar o fato de os fenômenos serem dados sempre parcialmente, necessitando sempre de variações para determos seu núcleo essencial.

Constelação é um conceito que Adorno herda de Benjamin e segundo o próprio Adorno, seria uma solução ao problema da contradição entre objeto e conceito que tradicionalmente escamoteiam o não-idêntico, ao fazer o objeto se mostrar de vários pontos de vista e impedir um uso direto do conceito, ensaisticamente, em forma de descrições, onde a conceituação resultaria de um campo de forças que tenderia mais ao objeto e assim, mais ao que escapa do próprio conceito.

Metalinguagem faz alusão à posição de Adorno acerca do discurso filosófico que empreende, e que julga válido para qualquer discurso filosófico sério, a evitar uma dobra acerca do que se diz. O boi certamente avalia que este empreendimento é impossível já no momento em que o filósofo se pergunta sobre o valor do conceito em uma relação com o objeto. Distanciando-se de instâncias de um fluxo habitual do sujeito, onde metalinguisticamente nos tematizamos em vários sentidos, o Boi, por bem, pensa que depois de criada a linguagem, a metalinguagem se tornou umbilicalmente necessária a todo discurso lingüístico. Não fazer metalinguagem seria fazer má metalinguagem ou simplesmente pleitear um estado de pureza e verdade absoluta, o que seria bastante excêntrico à filosofias que se dizem guardiãs da não-idêntidade.

A ferida da linguagem é propriamente o problema da contradição sob o ponto de vista do próprio Adorno, Trosas iásetai. Uma expressão grega que diz que somente aquilo que feriu pode curar. A linguagem conceitual, e Adorno compreende toda linguagem assim, traria necessariamente uma ferida à significação. A constelação seria uma espécie de cura praticada com a linguagem, que em forma de ensaio despistaria a própria identificação positiva e positivista da natureza da linguagem conceitual, fazendo mostrar aquilo que é não-idêntico à própria intenção da palavra.


Resíduo é um termo usado tanto pela fenomenologia quanto por Adorno. Resíduo fenomenológico diz respeito a irredutibilidade da consciência, de todos os fenômenos, que podem se reduzir a quaisquer métodos e visadas, porém, mesmo diante de uma dúvida metódica, a consciência é o próprio resíduo que resta de uma redução radical, ela é portanto irredutível. Para Adorno o resíduo é aquilo do objeto que sobra a qualquer ato conceitual, o não-idêntico ao que a linguagem aborta ao visar corresponder um idêntico.

Boi é uma instância metalingüística. A metalinguagem é um catalisador do discurso filosófico, uma instancia temporária de problematização, circunscrita e não ostensiva, no sentido de não ser um estado permanente, mas uma zona temporária voltada intencionalmente a um objeto ou grupo de objetos de interesse. O animal vinculado adquire instancia existencial em sentido formal, inclui-se já metalinguisticamente, e exclui a interpretação ou visualização do Boi enquanto uma fantasia de um ‘eu lírico’ ou mesmo uma vestimenta publicitária de um autor travestido. A imagem do Boi é pois a real imagem de um Boi no pasto que almeja um verdadeiro conhecimento filosófico, sincero, um ponto de vista de difícil visualização humana e que por isto metalinguisticamente instancia um animal para fazer perceber o real enlace entre o discurso filosófico e sua inclusa metalinguagem. O autor contudo ao tentar se inserir no texto acaba por complicar as camadas e autorias não idênticas ao objeto existencial instanciado, "o boi", "o autor de fato". Uma vez na linguagem é impossível regressar.


(11/04/2012)






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